A mulher criativa que transformou em arte sustentável a cenografia da televisão aberta no Brasil

A mulher criativa que transformou em arte sustentável a cenografia da televisão aberta no Brasil

por Kátia Bagnarelli em 26 de agosto de 2020, Brasil.

Num período crítico para a saúde e para a economia no Brasil devido a pandemia mundial de Covid19, o jornal Onews foi ao encontro da poesia criativa sustentável de Luciana Dias, diretora de criação do Grupo Bandeirantes de Comunicação.

Poesia esta retratada nos cenários dos programas de televisão exibidos em rede para todo o Brasil.

Acompanhe a seguir a entrevista exclusiva.

Onews: Luciana, você se recorda do momento em que compreendeu a si mesma e suas atitudes diárias como parte importante e significativa dos reflexos na natureza e no meio ambiente a sua volta? Conte-nos sobre isso.

Lu Dias: Desde os três anos de idade, fui guiada a esse olhar pelos meus pais, acho que começou quando pedimos, eu e meu irmão, um cachorro, e meu pai nos levou a um abrigo de cães que seriam sacrificados para adotarmos um, ao invés de comprarmos numa feira de animais.

Nossa!! Isso foi na década de 70. Acho que foi uma linda forma de nos ensinar que nada é descartável. Sigo adotando bichos até hoje e adotando madeiras, materiais variados que podem e devem ser reutilizados.

Onews: O que o processo criativo no Brasil tem a ver com Sustentabilidade?

Temos a sorte de ter muitos artistas conscientes, mas ainda muito aquém do ideal para gerar impacto de volumes.

Onews: A natureza influencia em seu processo diário de criação? 

Simmmm, de todas as formas, sempre tive um olhar especial para as melhores obras do Universo, criadas pelo CRIADOR – DEUS PAI, observo sempre as curvas como aprendi com Oscar Niemeyer e Francisco Brennand, e as incorporo em meus cenários e Concepts. Busco marcá-las para quebrar a rigidez e trazer leveza, bossa e ritmo à estruturas que poderiam apenas ser rígidas e parecer frias.

Onews: Você e sua equipe reconstruíram a história cenográfica de um dos mais importantes programas da televisão aberta de forma totalmente sustentável? Onde iniciaram esse processo e como foi?

Na verdade desde que assumi a Cenografia, venho implantando com eles a cada projeto a sustentabilidade e o reuso. Parto da premissa de que não existe jogar nada fora, não existe fora no planeta, temos que coabitar, reciclar, reintegrar, nos reinventar.

E desde o primeiro cenário que assinei na emissora, a reforma do programa Melhor da Tarde, comecei a colocar em prática essa marca, que seguiu para o Jogo Aberto, Brasil Urgente, Canal Terra Viva e em todos os demais.

Onews: Dentro do Grupo Bandeirantes quem se envolveu com este processo e qual foi o impacto nos envolvidos?

Basicamente minha linda equipe da cenografia, composta por arquitetos, ceno-técnicos, maquinistas, tapeceiros, pintores de arte, marceneiros, todos do nosso maravilhoso galpão, e o pessoal de compras, que ama quando reciclamos e economizamos também.

Meus colegas diretores estranharam bastante no começo, mas tive apoio do meu VP André Aguera e do nosso presidente Johnny Saad.

Hoje acredito que todos já assimilaram esse caminho nos meus projetos.

Cenário sustentável do programa “Jogo Aberto” em construção. Imagem: Arquivo Luciana Dias

 

Onews: Quais foram as diferenças relevantes para você e sua equipe deste processo de cenografia sustentável em relação aos anteriores?

Acredito que dividir a preocupação em não desperdiçar, em cuidar também do nosso caixa, da nossa empresa como se fosse a nossa casa, deixou todos animados e muito envolvidos em todas as etapas. Para todos nós, é um super motivo de orgulho e espero que seja o meu legado. Bem diferente das gestões e custos anteriores à mim.

Onews: Qual é o impacto para o telespectador cidadão comum quando em contato com a história cenográfica do Jogo Aberto?

No começo, recebemos o mesmo número de criticas que elogios, foi engraçado e tenso. Mas Renata Fan foi incrível na apresentação do conceito, ela o abraçou desde que apresentei e com o passar do tempo acredito que tenha sido incorporado pelos telespectadores que a amam também.

Apresentadora Renata Fan no cenário sustentável de seu programa “jogo aberto ” na BAND

 

Onews: Quais os impactos nos apresentadores e produção do programa?

Gosto de ouvi-los e envolvê-los no processo, afinal o cenário de cada programa funciona como uma extensão da sua própria casa, eles precisam gostar e estar confortáveis.

Onews: Você acredita que o programa possa ser influenciador positivo na mudança de comportamento do telespectador em relação a sustentabilidade?

Sim. Os veículos de comunicação podem ser educadores e conscientizadores importantes nesse sentido, apenas precisamos vencer a barreira do preconceito, gerado pelo estranhamento das frases, reuso, reciclável, sustentável. Que vem apenas da falta de contato com o significado e importância.

Onews: A arte pode educar? Quando e onde?

Claro, a arte educa, inspira, motiva, eleva, faz a criatividade aflorar. É só olhar a importância do cinema nas nossas vidas, histórias em quadrinhos, livros, teatro, musicais, personagens, quadros, existe arte em tudo, basta olhar. E é ela que dá sentido e embalagem à vida.

Ela  nos educa sobretudo a termos mais poesia no cotidiano. Ela salta aos olhos numa galeria, num museu, no grafite, nos muros, está em todos os lugares, é um idioma, um jeito de se comunicar.

Onews: Quais são os desafios que enfrenta em relação a ampliar a aplicação da cenografia sustentável para todos os outros estúdios?

Estamos fazendo isso projeto a projeto!!! O desafio maior nesse momento é ter materiais prontos para reuso no nosso galpão.

Onews: Em qual estado e cidade você nasceu?

Nasci no Paraná mas cresci no Nordeste. Como morei em muitos lugares no Brasil e fora, estudei em muitos deles, mas certamente aprendi em todos.

Talvez a lembrança mais importante, é que sempre soube que as plantas, pedras, animais e vegetais tinham coração, um pulsar, alma e sentimentos. Então sempre que olhava uma árvore bonita, ainda pequena, saia correndo para abraçá-la.

Desde muito cedo soube que queria trabalhar com cinema, arte e televisão. E passei os últimos 32 anos trabalhando, estudando, acertando e errando muitas formas desse processo que se unem e reúnem ao compor o que hoje se traduz no NACBR/ Núcleo de Arte e Criação do Grupo Bandeirantes, composto pela Cenografia física e virtual, Computação Gráfica, House, Mídias Sociais, Figurino, Maquiagem, Videografismo .

Foi muito difícil na verdade ser mulher, muito nova e ingressar no mundo audiovisual na década de 80. Tenho muito orgulho da minha trajetória, de ter meu DRT de Diretora Cinematográfica, datado de 1994.

De ter aprendido muitas formas de como não fazer televisão e de estar sempre em busca de acertar o “como fazer” da melhor forma e com o melhor propósito e melhores seres humanos ao meu lado também.

Sou ainda muito apaixonada pelo meu trabalho. Começo muito cedo, acordo às 6 da manhã. Trabalho Home Office até umas 10, e vou para emissora. Chego passando pela marcenaria, sigo para os estúdios, em seguida tenho muitas reuniões diárias, porque atendemos a todos os veículos do Grupo e muitas áreas também. Falo com meus coordenadores e gerentes muitas vezes todos os dias e delego a eles seus departamentos, na execução pós direcionada.

Alguns departamentos recebem mais minha presença e participação que outros, de acordo com as necessidades e projetos.

Saio as 20 horas da TV e continuo trabalhando até perto da meia noite todos os dias, acho que passa um pouco de 12 horas por dia, né?

Onews: Você se alimenta com produtos orgânicos? Com qual frequência?

Sim, compro basicamente produtos orgânicos e de pequenos produtores quando vou pra Cunha. Uma frequência regular eu diria.

Onews: Você acredita que a saúde do corpo reflete a saúde da mente criativa? Por quê e como?

Sim, está tudo interligado, a saúde do corpo reflete no nosso equilíbrio e facilita os processos criativos obviamente. E o contrário também, adoecemos o corpo quando não cuidamos da alimentação, hábitos, pensares, fazeres  e sentimentos.

Onews: O que uma pandemia mundial como a que estamos vivendo neste momento pode trazer de aprendizado para o processo criativo atual em relação a percepção do meio ambiente? Isto é nitidamente notado por todos?

Essa pandemia nos fez acelerar processos evolucionais, criar novas formas de nos comunicarmos uns com os outros, ao mesmo tempo que nos deu espaço e tempo para olhar para dentro e para o que realmente importa. Acho que aprendemos a viver com menos, menos pressa, menos compras, menos supérfluos, e mais qualidade também. Ela me ensinou a sentir os sinais novamente, mas não sei se para muitos.

Luciana Dias e o diretor artístico da BAND Zeca Camargo, crédito da imagem: arquivo pessoal

 

A arte de nos reinventarmos passa pela arte de reciclar.

Tanto materiais, produtos, utensílios,

como pensamentos, formas, fórmulas, fazeres.

Eu acredito que valorizar o que é genuíno e único,

é o que deve fazer parte do novo normal.

Que fazer mais com menos é para quem sabe valorizar plantas,

animais, seus pais, filhos, primos, descendentes e ancestrais.

Que precisamos cultivar nossa plantas,

assim como sementeiras, amizades, leitura e tudo o mais.

Que reciclar algo em si é uma das mais belas artes dos tempos atuais.

Seja uma roupa, uma peça, escultura, cenário, casa, um lar ou mesmo um RECOMEÇAR.

Economizar onde se pode e investir

no que trará algo de bom para tantos outros.

Essa é a grande arte na qual quero me inspirar!

Bora? Vamos assim nos cuidar mais ?

Cuidando de tudo , cuidaremos de muitos mais, todos.”

Lu Dias, NACBR  Grupo Bandeirantes de comunicação

Lu Dias em oficina da BAND reciclando um jacará para o cenário do programa apresentado por Mariana Godoy com direção artística de Zeca Camargo

 

Lu Dias no estúdio da TV Band Imagem de arquivo pessoal

 

Lu Dias atuando no estúdio da TV Band Imagem de arquivo pessoal