Filho de agricultor de subsistência, criado entre 9 irmãos, ele trabalhou para a construção civil, largou a cidade e voltou para o campo

A propriedade na volta de Lairton

A bela história de Lairton Régis e da acerola orgânica cearense

Filho de agricultor de subsistência, criado entre 9 irmãos, ele trabalhou para a construção civil, largou a cidade e voltou para o campo

por Kátia Bagnarelli para Jornal Onews

 

Foi num domingo, numa manhã ensolarada no estado de São Paulo que a nossa redação se encontrou online com Lairton Régis direto de Russas, a 165 km da capital Fortaleza, no Ceará. A cidade constitui um dos mais importante centros populacionais e econômicos do Vale do Jaguaribe.

Russas faz parte do Perímetro irrigado Tabuleiros de Russas, junto com os municípios de Limoeiro do Norte e Morada Nova.

O projeto consiste de faixa contínua de terras agricultáveis ao longo da margem esquerda na parte baixa do rio Jaguaribe.

O Perímetro de Irrigação foi concebido dentro de uma filosofia empresarial e de agricultura comercial visando os mercados nacional e de exportação.

A base de sustentabilidade é a produção de frutas, entretanto ainda é uma região, em sua maioria, de cultivo a base de agrotóxicos.

Lairton é um exemplo de agricultor que passou pela transição de convencional para produção completamente orgânica numa jornada difícil e com mínimo amparo regional.

Eles nos conta sua história enfatizando, durante a entrevista, que entende necessário que a imprensa brasileira mostre aos cidadãos a realidade sem que omita as dificuldades. Apenas desta forma poderão chamar a atenção para os investimentos necessários que ainda precisam chegar em apoio a produção orgânica na região.

O Perímetro irrigado Tabuleiro de Russas

De fala mansa, divertido e com uma vocação para a liderança, o agricultor não nos omite sequer um trecho de toda a estrada que percorreu até aqui para que hoje fizesse parte da Cooperativa Optar Orgânicos, que vem transformando a sua realidade e a dos outros 29 sócios.

“Me criei na agricultura. Se não estava no colégio, estava trabalhando, ajudando meu pai a cuidar da plantação. Não tinha minha vida particular.

Estudava com dificuldade, tinha pouca oportunidade de estudo, não tinha muito tempo para fazer minhas tarefas do colégio.

Fiquei nessa luta até os meus dezenove anos. Me casei aos vinte e fui trabalhar na construção civil. Apesar de ter habilidades, de ter sido reconhecido na construção, eu não gostava do que estava fazendo.

Meu pai tinha um pedacinho de terra num perímetro de Russas, numa área que foi indenizada. Ele tinha direito a um lote de oito hectares sem precisar de licitação. Entre meus irmãos ninguém quis assumir esse lote então, assumi sozinho. Fiquei entre a construção civil e o trabalho no lote de 2009 até 2015.

Comecei plantando goiaba e quando estava produzindo bem a nematóide (parasita da planta) entrou e exterminou a área. Eu não desisti. Ali aconteceu uma coisa bem interessante.

Eu não tenho formação oficial técnica na agricultura, estudei até terminar o ensino médio.

Tínhamos uma assistência técnica no perímetro, entretanto quando começou a aparecer muita praga a instrução foi veneno para cá, veneno para lá.

Não era aquilo que eu queria para minha vida. 

Estávamos, eu e meus trabalhadores, tomando banho de veneno. A maioria das pulverizações era eu quem fazia pessoalmente porque eu colocava a mão na massa, sempre foi assim.

Alguns amigos e eu conversávamos muito sobre os orgânicos, mas em nossa região não existia essa cultura. Quando se falava disso para a assistência técnica significava que você simplesmente estava conversando besteira. Nós teimamos, eu e mais três.

Fomos nos reunindo e chamando os colegas, mais gente foi chegando e formamos um grupinho de 15 ou 20 pessoas reunindo uma vez por mês para falar sobre

orgânicos. Foi muito difícil definir qual cultura plantar e como fazer. Você sabe que para alguma coisa acontecer tem que conspirar.

Paramos de usar veneno, fomos atrás de uma organizadora, a Laís, para arrumar alguém para nos dar o curso de agricultura natural e orgânica e começamos a nos capacitar.

Na Universidade daqui haviam os seminários de agricultura irrigada para o Vale do Jaguaribe. Nos convidaram e quando cheguei lá um dos palestrantes era Richard Charity, com uma palestra sobre agricultura orgânica num momento em que não éramos orgânicos.

Pessoalmente falei sobre nosso grupo e falamos sobre a acerola, ele se entusiasmou e nos deu uma grande força. Logo depois veio Valdecir Queiroz.

 

A preciosa acerola orgânica da Cooperativa Optar

Tivemos muitos cursos de capacitação em agricultura orgânica e biodinâmica. Depois os 5S, boas práticas agrícolas, curso de sustentabilidade. Fomos nos capacitando e nos entusiasmando.

Esse grupo pequeno teimoso montou uma Associação que era contra tudo e contra todos por aqui. A acerola orgânica entrou como carro chefe incentivado pela Nutrilite que nos ajudou a plantar as mudas. Passamos a acreditar com mais segurança nos orgânicos.

Ficamos como “os malucos do perímetro” trabalhando a agricultura orgânica, foi dando certo. Se o pequeno produtor não se juntar para formar um grupo maior ele não consegue ir em frente. Não era viável vender para a empresa que nos incentivou por causa da distância. A acerola perdia qualidade demais.

O que levou a acerola para frente foi a união entre nós. Inclusive, chegou num ponto em que não dava mais para trabalhar como Associação por causa das questões fiscais, tivemos que migrar para Cooperativa. Faz dois anos que somos a Optar Orgânicos do Ceará.

Estou muito satisfeito como Cooperativa, pois antes, como Associação, nós tínhamos que interagir muito mais entre os sócios para que as coisas andassem. A Cooperativa nos deixa mais à vontade para que a diretoria seja a responsável por resolver todas as questões, prestação de contas etc. Buscamos as nossas melhorias em contato com outros grupos. Temos vários sócios que são, inclusive, de fora do perímetro, envolvendo quatro cidades ao redor. A nossa Cooperativa tem 30 sócios e o nosso carro chefe é a acerola, temos muita vontade de plantar outras coisas mas tivemos muitos problemas com a questão hídrica. A acerola é uma planta rústica que suporta um pouco de sede.

A ausência de Políticas Públicas

Com certeza tentamos buscar desde sempre as políticas públicas. Todo o patrimônio que a Cooperativa tem hoje foi construído com recurso próprio, nunca conseguimos algo do Estado porque a burocracia é grande. Para o nosso maior crescimento dependemos de políticas públicas e sentimos falta delas.

O meio ambiente

A questão ambiental é muito importante, o orgânico não pode fugir disso, ele é tudo quando você fala de meio ambiente. Isso deveria estar presente nas escolas. Depende de todos nós.

Quando comecei a produzir orgânicos decidi que não voltaria para o convencional e sairia do ramo se os orgânicos não dessem certo. Deveria ter entrado na agricultura orgânica mais cedo. Ela exige certa maneira de manejo.

Muitos entraram apenas porque estava dando lucro, só que aquela pessoa não tinha o perfil de agricultor orgânico e precisava interiorizar conhecimento.

A cultura do financismo atrapalha, quando você só enxerga o retorno financeiro vai sempre faltar perfil para trabalhar com os orgânicos.

A necessidade de investimento

Nessas questões entendemos que o Estado poderia ajudar muito, existem projetos de governo para este tipo de incentivo. A tecnologia, pelo menos aqui em nossa região, ainda é muito atrasada. O que nós vemos no exterior é muito mais avançado.

Existe um esforço de algumas entidades neste sentido mas talvez exista pouca verba ou pouco interesse dos que poderiam ter mais influência.

Junto com a tecnologia insiro a capacitação, conhecimento sobre agricultura orgânica e manejo.

Nosso grupo foi privilegiado e proativo, mas falta verba para assistência técnica. Tudo foi diminuindo muito ao longo do tempo. Faltam também incentivos bancários adequados. As conversas e facilidades são oferecidas, mas quando vamos atrás de fato, percebemos que vamos pagar duas vezes o valor emprestado, é um tipo de negócio para enriquecer mais o banco do que para nos ajudar.

O legado familiar e as próximas gerações

Na época em que era para eu estar com meus filhos no campo passando esse conhecimento para eles eu estava na construção civil por necessidade.

Tivemos uma vida muito difícil e foi preciso escapar dessas dificuldades da forma que dava.

Meus filhos não trabalham comigo, entretanto, incentivo todas as pessoas que trabalham aqui como se fossem a minha família.

Minha mensagem é para que tenhamos um olhar especial para a nossa natureza, não é usando a desculpa de que outros países já destruíram todo o meio ambiente em suas regiões, que justifique nós também destruirmos o nosso, temos que tentar recuperar o que foi destruído.

A agricultura orgânica é um caminho que não é tão complicado como a maioria pensa. Não sei porque existe uma certa resistência e até raiva de quem trabalha no campo orgânico.

Porque quem trabalha nesse campo não tem raiva de quem produz convencional.

É um olhar especial para o meio ambiente porque no fim das contas é a saúde das pessoas, do planeta de um modo geral e do ser vivo também, o que está em jogo.

Precisamos pensar no todo e nas futuras gerações, nos nossos descendentes. Pensar somente no aqui e agora não é legal.

Meu legado é mostrar para as pessoas que quem está em primeiro lugar não é o retorno financeiro, ele é para ser consequência do que você faz.

Não podemos nos esquecer que todo mundo é igual e portanto devem ter oportunidades iguais, ninguém é melhor do que ninguém. A vida é assim, você precisa pensar também nos outros e não somente em si.

O Nós e não o Eu.”

Lairton separando as frutas orgânicas que cultiva
O transporte da acerola
O produtor Lairton Regis, transformando o perímetro irrigado de Russas com a agricultura orgânica

 

O dia a dia da acerola orgânica na propriedade do produtor rural Lairton Régis

Lairton com Valdecir Queiroz e outros produtores do perímetro

Lairton e os produtores da Cooperativa Optar Orgânicos