FRU.TO “O alimento é a maior rede social do planeta.”

Equipe FRU.TO 2019 – crédito Leandro Martins

 

 

“O alimento é a maior rede social do planeta.”

por Kátia Bagnarelli em 26 de agosto de 2020, Brasil.

Impactado pelas consequências da pandemia de Covid19, o brasileiro busca cada vez mais dialogar sobre o alimento que precisa chegar à mesa todos os dias. Entretanto não é claro para nós o processo de produção destes alimentos e a responsabilidade da cadeira produtiva com a saúde e com o planeta. A plataforma FRU.TO atua no Brasil promovendo o diálogo de todos os envolvidos neste trajeto. Segundo Felipe Ribenboim, um dos idealizadores do FRU.TO ao lado do chef Alex Atala, nós precisamos repensar essa relação:

“Repensar é sair do nosso lugar seguro, sair do modo automático e entender que toda ação tem uma reação. Todas as nossas escolhas de hoje têm impactos hoje, amanhã, depois de amanhã e por muito mais tempo. A gente precisa entender que a possibilidade de mudar o amanhã está em nossas mãos hoje. Nós precisamos repensar as nossas práticas, escolhas e isso passa por questões políticas, pessoais e cotidianas.”

Um dos objetivos da plataforma FRU.TO no Brasil é promover o diálogo em torno de todo o processo que envolve a alimentação humana. Criado e liderado pelo chef Alex Atala e pelo produtor cultural Felipe Ribenboim, com a chancela do Instituto ATÁ, a plataforma objetiva o engajamento e a mobilização para discutir a alimentação, os problemas, os desafios e as soluções para o nosso tempo e os próximos anos. Para Felipe a mensagem do FRU.TO de que o homem é o maior elo entre a natureza e a cozinha é o ponto inicial da conversa com a população.

“A comida não é só a maior rede social do planeta, ela é também, a mais antiga. Desde o início dos tempos, os seres humanos se conectam através do alimento. Nós criamos narrativas, histórias, vivências, lembranças e uma relação afetiva com a comida. Por isso, ela se apresenta como o fio que conecta pessoas. O alimento carrega esse traço cultural e a identidade local, por isso ele se torna uma rede social”, explica.

A seguir a entrevista completa.

Onews: Qual é a mensagem do FRU.TO?

Felipe:  Uma mensagem de reorganização e resolução dos problemas que envolvem a alimentação mundial. O FRU.TO surgiu através de uma conversa do Alex comigo para fazer um evento que tivesse como lema principal o “não pregar para convertidos”, ou seja, que não fosse um evento feito por chefs para chefs. A ideia era que a gente pudesse falar sobre as questões da alimentação e tudo o que a envolve para mais pessoas e de diversas áreas. Desde o início, tivemos este norte, o de ser bem transdisciplinar e expor estes conteúdos através de várias falas. Essa foi a nossa primeira ideia e que, felizmente, conseguimos colocar em prática em janeiro de 2018.

SAO PAULO, BRASIL 26.01.2019 FRU.TO Diálogos do Alimento. Na imagem Felipe Ribenboim e Alex Atala. Foto Reinaldo Canato

 

Onews: Quais as atuais ações do FRU.TO?

Hoje o FRU.TO é um seminário anual, mas estamos estruturando uma plataforma com mais conteúdos voltados às temáticas debatidas, aos problemas atuais do dia a dia. Nós nos colocamos como um palco centralizador para esses conteúdo. Nós levantamos pautas relevantes, juntamos discursos e temáticas selecionados durante um ano e estruturamos em grandes temas centrais que mudam a cada ano.

Onews: A que se refere o documento “10 Sementes” e quando ele foi criado?

O documento foi criado no último dia do primeiro seminário, em 2018, pelo jornalista ambiental e ganhador do prêmio Jabuti, Cláudio Ângelo. O “10 sementes” compila, a partir da visão dele, dez pontos que foram comuns e marcaram a fala em diversas palestras durante o seminário. Estas sementes são nortes, eixos da discussão, desde questões importantes de valorização, como a mudança climática, a nossa relação com o produtor, os oceanos. São pontos que foram comentados por mais de dois palestrantes e se tornaram pontos importantes para serem debatidos ao longo do ano. Saiba mais em: https://fru.to/2018/10-sementes/ 

Onews: Durante o seminário de 2019, outros dois documentos foram construídos. A que se refere cada um deles e qual é o atual engajamento da população brasileira a respeito destes temas?

O “Raízes” foi um documento que reuniu resultados dos diálogos que a gente abriu porta neste ano. A Cristal Muniz (Desperdício), a Erica Araium (Educação) e o Luiz Américo (Políticas Públicas) foram os mediadores destes diálogos e elencaram pontos levantados nas discussões e que poderiam ser levados mais a fundo. Ou seja, quando a gente discutir sobre o desperdício, até onde vamos falar sobre educação do desperdício, até onde fica a nossa relação com os órgãos públicos e como fomentar isso ao longo do ano para não morrer ali. O maior papel do FRU.TO é dar luz e colocar estas pautas importantes para serem discutidas, talvez até com certo ineditismo de trazer para a discussão vozes que não são ouvidas ou consideradas. A nossa ideia é que a nossa linguagem não seja acadêmica, não seja para acadêmicos. Mas que isso possa ser conversado entre todos, para que as pessoas tenham uma consciência de que isso acontece, de que isso é um problema, mas que existem soluções. Conheça mais sobre o “Raízes” aqui: https://fru.to/2019/raizes/

Chef Alex Atala. Créditos: Leandro Martins

Onews: Quais são as imediatas conexões que devem ser fortalecidas e quais devem ser revistas no Brasil em relação ao alimento?

Eu acho que agora, principalmente, durante a pandemia, essa pergunta muda completamente de sentido. A gente precisa entender sim a magnitude de quando a gente fala de alimento e todas essas relações. O alimento não está somente em uma caixinha, como indústria alimentícia ou consumidor ou fornecedor etc. Isso se expandiu e nós entendemos o alimento como uma fonte de saúde, como fonte de cultura, geração de renda, geração de conhecimento, de empoderamento. Existem várias análises e camadas de análises sobre o alimento. Isso é algo que está sendo revisto e principalmente neste cenário de pandemia as pessoas estão sendo mais generosas em relação ao alimento, existem mais doações, mais redes de conexão em torno do alimento. Ao mesmo tempo, as pessoas também entenderam que esse é um papel importantíssimo na vida, que nós só saímos de casa para ter acesso ao alimento, é uma questão de segurança alimentar e nutricional para todos.

Mas essa é uma visão para o cenário atual, na pandemia. A gente entende a nossa relação direta entre mudanças climáticas, o meio ambiente e o alimento. Estão sendo as principais fontes de discussões, de avanço do agronegócio, de um modelo antigo de economia, que prioriza muito mais o agronegócio tradicional a inovações e outras técnicas.

Onews: Como podemos promover o impacto necessário e a transformação coletiva através das crianças e adolescentes com acesso a educação? Qual é o papel dos pais e educadores neste processo?

É importantíssimo. A educação alimentar é algo que nós trazemos desde a primeira edição do FRU.TO. É uma das chaves para mudar e alterar qualquer cenário que a gente encontre hoje. A educação tem que levantar pontos como o acesso aos produtos porque hoje temos uma gama maior deles. Temos acesso a produtos que não são autóctones (nativos) de cada região ou do Brasil inteiro e, muitas vezes, valorizamos muitos produtos que vêm de fora do país, mas não valorizamos o que é nosso. A questão do desperdício também passa pela questão da educação alimentar e de conscientização. Há perdas em várias partes da cadeia, mas principalmente na geladeira. Isso vem a partir de uma construção de educação alimentar realizada desde a primeira infância. Lá é onde acontece o primeiro contato com os alimentos e quando acontece a construção do gosto, da preferência por determinados ingredientes.

Saber que a criança pode gostar ou não, mas que ela deve ter uma introdução correta. Se os pais vêm com a ideia de “o meu filho não come brócolis” e fala isso na frente da criança, ela vai reproduzir que não gosta e que isso é legal. Por isso, é necessário que aconteça uma revisão de todos esses conceitos. É na primeira infância que construímos o corpo e o cérebro, por isso, precisamos ter uma diversidade maior de ingredientes e abrir os horizontes para os alimentos. Isso tudo tem que passar pela escola e, principalmente, em casa. Não existe um papel de “alguém” estar na cozinha. Todos devem estar na cozinha, todos devem sair às compras, à feira. É assim que temos o contato com os alimentos, o acesso às culturas e histórias que o alimento em si traz, inclusive com receitas de famílias. Além de tudo, o alimento tem as características para um conhecimento plural, ele tem níveis de interação. Por isso, podemos usá-lo como exemplo em várias questões que, não necessariamente, se referem diretamente ao alimento. Por exemplo, as expansões territoriais se dão por novas conquistas de produtos, territórios e comércios. Podemos explicar botânica e biologia pelo que a terra oferece, pelo que o bioma oferece, por que não usando alimentos e receitas? O alimento deveria ser transversal na academia, nas escolas. A partir disso, somos introduzidos com mais facilidade à nossa cultura alimentar.

Diálogo Educação FRU.TO Crédito Ricardo D’Angelo

Onews: Quais seriam as formas mais eficazes de conscientizar o brasileiro para a prática da cidadania “alimentar” e ambiental?

A ideia é que a gente construa – e estamos em vias de construir – um material para que chegue para todos. O objetivo do FRU.TO sempre foi construir uma plataforma onde todos esses conteúdos tivessem o maior acesso possível. Por isso, o acesso ao seminário e suas palestras são gratuitos, disponíveis no site em três línguas, com legendas em português, inglês e espanhol. Agora, nós estamos entendendo que a linguagem precisa ser diferenciada quanto ao conteúdo didático. A própria sincronia do alimento em um formato ilustrado é uma forma de cada um interpretar e fazer com a sua própria linguagem. O mais importante é sempre dar voz e não ter uma leitura de alguém de fora que não está introduzido. Nós trazemos ao FRU.TO integrantes da cadeia, do elo do alimento, para que eles tenham a sua voz e o seu espaço para poder falar. Nós enxergamos a necessidade de nos aproximar de todas as realidades, pelas vozes deles e não de terceiros. Precisamos discutir as formas de fazer isso e repensar essas relações. Existem muitas coisas que fazemos no modo automático. A gente precisa repensar isso, praticar e estar aberto à novas e boas práticas no cotidiano. A gente tem isso na feira e em casa, ao ver o desperdício de alimentos. O nosso papel, enquanto cidadãos, é tentar reduzir, tentar mitigar essas questões que estão na nossa frente e que preferimos, por muitas vezes, não enfrentar. Quais ações podemos fazer e que estão próximas e ligadas à questão alimentar e ambiental que possam trazer mais benefícios de maneira individual? Não é uma regra, mas cada um vai entender a sua maneira de fazer. O eficaz nesse sentido é entender o que é válido para cada um. Essa é uma das raízes do FRU.TO: as soluções devem ser próprias. Apesar de serem problemas globais, a maneira como cada um lida com isso deve ser própria e adaptada à sua realidade.

Sincronia do alimento. Crédito: Rafael Mantesso

Onews: Quais foram as dificuldades encontradas pelo FRUTO desde o seu nascimento?  Existiram ou existem limitações?

Existem dificuldades, porque o FRU.TO não se constrói sozinho. São longos meses de pesquisa e trabalho para a realização de cada seminário. Todos os anos, abordamos diferentes temas sob diferentes perspectivas e tentamos trazer pessoas de todo o mundo com visões plurais. Para isso acontecer, precisamos de parceiros que apoiem o seminário financeiramente. E essa é uma dificuldade que sempre enfrentamos: a associação de marcas que sustentem os pontos levantados pelo FRU.TO. Nós precisamos ser fiéis ao que acreditamos. Por isso, muitas vezes, criticamos grandes marcas e corporações que têm um papel importantíssimo na cadeia do alimento, com processos que precisam ser revistos. Então, a nossa maior dificuldade é identificar quais serão os patrocinadores de cada uma das edições. Quais marcas gostariam de se associar e que fossem coerentes com os nossos princípios.

“Vamos investir no amanhã.

Investir no amanhã começa na educação de hoje.

A educação alimentar vai ser

determinante para a construção de um novo país.” 

Alex Atala

Crédito da imagem: Leandro Martins

Onews: Qual está sendo o impacto da Pandemia mundial de Covid 19 para os diálogos do FRU.TO e quais são os planos para 2021?

Um dos principais temas do FRU.TO sempre foi o alimento. Durante o período de pandemia, nós percebemos uma nova relação das pessoas com o alimento. Uma parte das pessoas entende que o alimento é gerador de saúde e isso já resultou em uma onda de doações. Sobre a edição de 2021, nós ainda estamos em fase de planejamento. Por isso, ainda não podemos dar spoilers sobre os temas abordados ou sobre o formato.

Onews: Quais são os objetivos do FRU.TO pelos próximos dez anos?

Nós esperamos que, pelos próximos dez anos, a gente possa continuar alcançando mais público, mais temas relevantes com mais vozes que não têm espaço para discussões. Mas é difícil falar do futuro porque não sabemos quais serão os problemas dele, se continuarão os mesmos ou se serão menores ou maiores. A ideia é que a gente continue abrindo espaço para a conscientização.

O Brasil sempre foi celeiro de grandes questões em torno do alimento. Desde grandes navegações, especiarias, açúcar, café, o cacau. Não só de ingredientes, mas de técnicas que surgiram e que vêm a partir do nosso território. Um dos grandes nomes que trouxemos pro FRU.TO, desde a primeira edição, é o Ernst Götsch que trouxe novas possibilidades em relação ao plantio, ao sistema agroflorestal. A gente vê que o Brasil já está avançando nesse sentido e que grandes nomes saem daqui para o mundo. Ao mesmo tempo, a gente também vê retrocessos, principalmente em relação ao agronegócio e à Amazônia, agrotóxicos em geral. Na balança, temos pontos positivos e negativos. Esperamos que o futuro traga um bem coletivo e um bem maior, com saúde, bem estar e o meio ambiente protegido.

Diálogo Políticas Públicas – crédito Ricardo D’Angelo

 

Felipe Ribenboim FRU.TO Foto Reinaldo Canato
Mãos na terra. Crédito: Leandro Martins
Muvuca de sementes FRU.TO Crédito: Ricardo D’Angelo
São Paulo, Brasil em 25.01.2019 FRU.TO Diálogos do Alimento Foto: Reinaldo Canato / FRU.TO
Diálogo Desperdício FRU.TO. Crédito Leandro Martins