Esperança e desenvolvimento, as palavras que norteiam o trabalho com os orgânicos na Secretaria de Agricultura e Abastecimento do governo de São Paulo

Esperança e desenvolvimento, as palavras que norteiam o trabalho com os orgânicos na Secretaria de Agricultura e Abastecimento do governo de São Paulo

 

Por Kátia Bagnarelli, exclusivo.

A Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, há mais de 10 anos, tem várias ações realizadas com sucesso para capacitar produtores rurais para migrar suas atividades para a produção orgânica. De acordo com o Mapa, existem mais de 2.000 produtores rurais certificados no Estado e aproximadamente 1.000 novos na fila de certificação. A principal ação durante a pandemia é a aplicação do Protocolo de Transição Agroecológica que capacita os produtores ao processo de transição que deixa a agricultura convencional e implanta uma etapa preliminar de certificação orgânica. Este protocolo permite ainda que o produtor receba prioridade para as compras públicas. Conversamos com o Secretário do Estado, Gustavo Junqueira em exclusividade, acompanhe a seguir.

Jornal Onews: Como tem atuado a Secretaria?

Gustavo Junqueira: De maneira geral, desde o início da gestão do governador João Dória, nos reorganizamos para que não mais trabalhássemos a cadeia do milho, da cana, do leite, mas sim em verticais: vertical da sustentabilidade, vertical da segurança do alimento, vertical da infraestrutura e todas as iniciativas seja de pesquisa, seja de educação, seja produção rural, seja logística se encaixam dentro de uma vertical. Com isso conseguimos trazer uma integração muito maior entre todos que trabalham aqui. Os orgânicos entram dentro das verticais de segurança alimentar, de Pesquisa e Sustentabilidade porque temos um desafio muito grande em fazer o orgânico crescer no Brasil. Há mais de 10 anos a nossa área de pesquisa vem trabalhando no desenvolvimento de tecnologias, sementes, herbicidas, controle de pragas. Temos um departamento de sementes e mudas e produzimos aqui o milho orgânico, além de outras sementes orgânicas. No Instituto Biológico dedica-se trabalho a toda a parte de insumos e pesquisa para controle biológico. Ao invés de se usar o insumo químico, usamos controle biológico.

As grandes empresas de São Paulo e do Brasil que fazem o controle biológico usam tecnologia da Secretaria da Agricultura. Além disso, sempre houve discussão sobre certificação. A Secretaria deveria certificar ou não deveria certificar? Esse é um ponto que se debatia bastante aqui, o que nós fizemos foi entregar um pouco mais de organicidade nesse trabalho.

Criamos um grupo de trabalho específico para agricultura orgânica e através deste grupo várias iniciativas foram tomadas. A visão da Secretaria hoje é a de que nós temos dois tipos somente de agricultura no Brasil: a tecnificada e a não tecnificada, e isso vale para todos os tipos de agricultura, seja pequena, média ou grande, agricultura orgânica ou monocultura. Independente do que você for fazer tem que ter técnica, tem que ter tecnologia, tem que ter treinamento e o protagonismo é do setor privado. Não é o Estado que é líder no agro brasileiro. O Estado acompanha o que o setor privado faz, deveria acompanhar mais de perto, deveria acompanhar mais rápido mas não pode ser o líder no desenvolvimento.

Onews: Qual é a relevância dos orgânicos para a Secretaria?

Gustavo: O orgânico é novo, é moderno, contemporâneo? Sim, mas é principalmente um setor do agro onde se tem uma grande margem de lucro. Do ponto de vista de negócio é um bom negócio para o produtor. Se tem a necessidade de mais investimento, entretanto há um mercado que é crescente. Temos um pedaço desse mercado bastante interessante, só que ele é feito de maneira pouco profissional no Brasil. Por muito tempo se confundiu agricultura orgânica com o trabalho de produtores que fazem uma agricultura rudimentar, não necessariamente orgânica, que muitas vezes, acabam vendendo gato por lebre. A Secretaria se preocupa com isso porque este é um negócio que está no topo da pirâmide. Nós vamos fazer um trabalho muito bem feito. É um mercado que está crescendo e se você começar a ter produtos falsificados, porque é o que acontece, o cara vende o produto que é lindo mas não tem nada de orgânico – isso vai prejudicar o orgânico.

Convidei o governador João Dória para me acompanhar nos EUA em visita a Whole Foods e o governador me perguntou por que iria visitar a Whole Foods. Respondi que queria explicar qual é o planejamento, o que precisamos fazer para ter uma Whole Foods em São Paulo. Entendendo a Whole Foods o que eu mostro para ele é que nós temos que montar a base de suprimentos com todos os produtores, os protocolos, todo o ecossistema aqui em São Paulo para que dali há quatro anos (isso foi em 2019) algum diretor do Whole Foods nos EUA tenha a oportunidade de levar para seu conselho de administração a ideia de abrir um Whole Foods no Brasil.

Se nós não fizermos isso ele não vai ter nem a oportunidade. A partir dali começamos a trabalhar construindo esse programa. Aprovamos fomentar a cadeia de orgânicos com a infraestrutura da Secretaria.

 

Créditos das imagens oficiais: SAA SP

Onews: Qual o atual trabalho e posicionamento da Secretaria em relação as Casas de Agricultura no Estado?

Gustavo: O que estamos fazendo na Secretaria de Agricultura é uma grande reestruturação. Nós estamos passando por uma grande mudança tecnológica, a última reestruturação que a Secretaria teve foi em 1993 onde não tínhamos o plano real, produzia-se 67 milhões de toneladas de grãos. Na última safra foram mais de 250 milhões. Nós não tínhamos internet, não tínhamos whatsapp, era um outro mundo. Aquela estrutura era uma estrutura onde tínhamos várias Casas de Agricultura que já não eram tão usadas quanto na década anterior, de 70 e 80. A Secretaria em 93 tinha 10 mil funcionários, hoje ela tem 3 mil.

A estrutura física, a infraestrutura ficou muito maior do que a capacidade de utilização dela. O capital humano envelheceu, o capital humano que chegou não tem como ser treinado na estrutura anterior, ele precisa ser treinado numa nova mecânica, nós chegamos para olhar tudo isso e viabilizar um plano até 2030 de forma que organizamos a Secretaria para que ela atenda a essas demandas e desafios.

Estamos muito baseados em tecnologia, o extensionista é super importante mas ele precisa ser fundamentalmente treinado novamente, e também treinado sob a ótica de mercado, em relação ao que o mercado quer comprar, quais são as exigências de mercado, qual é o papel do setor privado, qual é o papel do setor público e como fazer disso um jogo de ganha ganha.

Fundamentalmente quando a gente fala de fechamento de Casas de Agricultura é uma transformação dessa Casa de Agricultura em profissionais móveis, porque você não precisa mais que o produtor vá até a Casa da Agricultura para emitir uma guia de transporte animal, você não precisa que ele vá até lá para ter uma declaração, ele pode a partir do telefone dele, do computador fazer isso remotamente.

O que ele, extensionista rural precisa é de um carro para que possa participar da vida desses produtores na sua atividade e não de um “cartório” para receber e autenticar o que o produtor faz. Essa é a transformação, e é óbvio que você não vai ter profissionais suficientes para cobrir todo o Estado, muita coisa precisa ser consolidada. O que entendemos por consolidado: existem no mundo dois grandes segmentos que são os mais digitalizáveis, a medicina e a agricultura porque os problemas se replicam. As doenças humanas ou doenças das plantas são parecidíssimas, o processo é o mesmo. A ideia é que a gente faça uma grande central de atendimento como estamos fazendo na medicina com a telemedicina. O produtor envia a dúvida e o problema para a central de atendimento e a central responde para o produtor sobre o problema e a forma de manejo adequado tanto para agricultura convencional quanto para orgânica. Em alguns casos não terão as respostas e estes casos são geralmente 20% de todos os principais problemas, nesse momento um técnico com uma caminhonete e um computador vai até o produtor verificar a demanda in loco. Só que este é um processo de mudança que leva tempo, no Estado tudo é lento. E obviamente as mudanças não são recebidas de braços abertos, elas são contestadas sempre e depois da transformação elas são reconhecidas como boas, mas até lá o debate sempre haverá.

 

Créditos das imagens oficiais: SAA SP

Onews: São Paulo tem feito trocas de saberes e de políticas públicas interestaduais?

Gustavo: Nós mapeamos a partir da cidade de São Paulo um raio de 500 km norte, sul, leste e oeste, onde temos mais ou menos 65% do consumo de tudo o que se produz no Brasil. É uma potência muito grande de consumo de alimentos. A gente tem trabalhado dentro da Secretaria de Agricultura na gestão do governador João Dória para que tenhamos mais produção local. Sem que haja qualquer barreira entre os outros Estados, mas que estes produtores locais tenham uma vantagem competitiva por estarem em São Paulo.

Não é um tema muito fácil, temos trabalhado muito nisso. Existe uma visão do TCE, por exemplo, de que você não pode privilegiar o produtor do Estado porque você estaria usando mal os seus recursos pois poderia comprar mais caro em São Paulo do que pagaria em outros Estados.

Eu penso diferente, penso que o fato de você estar em São Paulo perto do centro consumidor onde você vai ter uma pegada de carbono muito menor, vai ter um uso de energia menor, faria mais sentido, entretanto as regras são muito mais simplistas do que isso.

Temos desenvolvido aqui iniciativas com a Secretaria de Educação e Secretaria de Administração Penitenciária para que haja um pouco mais de compra dos produtores locais, dos locais que produzem orgânicos, estamos atuando nesse caminho.

Não é um caminho muito fácil politicamente, as amarras são muito grandes e eu sou da opinião que nós não podemos criar um mercado baseado na questão pública, acho que muita gente quer estes grandes contratos e quer fazer esses acertos, entendo, mas devemos olhar em como atingir as populações consumidoras e o fato é de que se a produção orgânica não for feita da maneira adequada, ou seja, na escala adequada como qualquer outra atividade do agro o produto acaba saindo mais caro sempre.

Onews: Como a Secretaria entende os incentivos ao agro orgânico?

Gustavo: A questão do incentivo à agricultura orgânica, em minha visão, passa muito por educação técnica. Os produtores precisam entender como eles vão ganhar dinheiro com aquele negócio. E aí tem um outro espaço que entendemos que é detrimental para todo o desenvolvimento desse agro mais conectado, mais moderno que atinja e melhore a vida dos pequenos produtores, que é a parte dos entrepostos de alimentos. Uma estrutura como a que temos hoje na CEAGESP que é ultrapassada, que não tem tecnologia, que não tem padronização, que não tem a qualidade que o consumidor espera – e qualidade não tem nada a ver com custo alto, atrapalha muito mais o produtor do que o consumidor, porque o produtor acaba produzindo de uma certa maneira porque o comprador dele – que é entreposto e são os atacadistas ou intermediários, não exigem melhorias. Durante a pandemia aceleramos várias iniciativas tecnológicas e uma delas foi o “mercado digital”.

Trata-se do Agro SP Mercado Digital. É uma plataforma eletrônica que fica no agrosp.sp.org.br onde estamos cadastrando todos os pequenos produtores rurais, são mais ou menos 115 mil com registro de pequeno produtor, cadastramos o que ele produz, quando ele planta, quando ele vai colher e a partir desta base de dados fizemos uma parceria com a APAS (Associação Paulista de Supermercados) e ela então cadastrou todos os supermercados, mais de 5 mil supermercados na mesma plataforma com informações do que o supermercado quer comprar, quanto ele quer comprar e quando. À medida que você conhece o tamanho do mercado orgânico você vai ter também os produtores produzindo cada vez mais para aquele mercado e isso vem acontecendo e vem crescendo cada vez mais.

“Este é um momento super triste onde não só temos a tristeza da morte e da doença, mas um momento triste daqueles que não estão conseguindo se manter psicologicamente, é um momento onde temos pouca esperança.

Essa talvez seja a grande dificuldade por não enxergarmos quando esse processo vai terminar e a verdade é que nós acabamos perdendo muito do que a gente tinha. Uma das minhas grandes preocupações, porque eu tenho várias, é com o setor de restaurantes na cidade de São Paulo. É uma cidade única no que tange a gastronomia, que foi feita ao longo de muitas décadas, por famílias, por pessoas em estruturas pequenas onde seus filhos e netos se transformaram em grandes chefs quando antes eram apenas filhos de cozinheiros, nós não estamos conseguindo manter os restaurantes abertos e esse tecido social que criamos e que deu um diferencial para São Paulo, vai precisar ser reconstruído.

Essa reconstrução vai acontecer quando a gente souber que o problema acabou. As pessoas estarão todas vacinadas e virá um outro desafio que é a construção do novo.

Não acho que estamos vivendo um novo normal, acho que estamos vivendo o anormal e é no final desse processo que teremos que construir.

Isso vai exigir muita tenacidade, uma nova visão porque não vamos reconstruir o que nós tínhamos, teremos que entender como o que nós tínhamos foi construído e a partir daí construir algo novo, moderno,

com essa raiz e essa alma que a gente tinha aqui.

A mensagem é de esperança porque vai chegar ao final e iremos viver um período de grande crescimento tanto quanto foi no final da segunda guerra mundial. No momento em que sairmos dessa guerra que estamos vivendo, haverá inúmeras

oportunidades de crescimento.

Quando falamos de orgânico, quando falamos de alimento, de agricultura, certamente falamos de um dos principais players do mundo.

O Brasil mostrou na pandemia que nós somos um porto seguro da segurança alimentar. “